Em
uma de suas cartas, o romancista Gustave Falubert escreveu: “Que grande necrópole
é o coração humano! Para que irmos aos cemitérios? Basta abrirmos as nossas
recordações; quantos túmulos!”
Em
nossas pós-modernas e alvoroçadas épocas, estamos perdendo parte da capacidade
de abrir as recordações, mesmo as tumulares. Hoje a velocidade inclemente do
cotidiano não nos oferece tempo para recordações muito duradouras; se estamos
com pouco tempo para cuidar da vida, menos ainda nos sobra para cuidar da
morte.
Não
temos tempo! Houve uma época na história humana (e não faz muito) na qual,
quando um dos nossos morria, parávamos tudo o que estivéssemos fazendo; o
trabalho era interrompido e, se preciso, faziam-se longas viagens, até noturnas
(sem os rápidos aviões, carros e boas estradas atuais), mas, não deixávamos de,
velando os partintes, cuidar dos ficantes.
Se
com a morte não nos conformamos, ao menos nos confortamos, nos fortalecemos em
conjunto, nos apoiamos. As pessoas ficavam, às vezes por um dia e uma noite, em
volta da família, aglomerados, grudados, exalando solidariedade e emoção,
orando e purgando lentamente o impacto, mostrando aos mais próximos que não estávamos
sozinhos na perda.
Um
dos mais fortes indícios da presença humana é o cuidado com os mortos; quando
as localizamos, o fazemos por intermédio de túmulos, inscrições, ossos
agrupados ou corpos enterrados ou cremados. A própria palavra cemitério
(derivada do grego), usada em vários idiomas, significa lugar para dormir,
dormitório, lugar para descansar. Deixar esvair essa marca é extremamente
perigoso, pois não propicia a especial ocasião de meditar sobre a vida e,
eventualmente, descansar em paz.
Deixamos
de velar (no sentido de tomar conta, cuidar) para velar (como cobrir, ocultar,
esquecer, apagar).
Não
temos mais tempo! Se recebemos a notícia de que algum conhecido faleceu,
olhamos o relógio e pensamos: “Vou ver se dou uma passadinha lá...” alguém
morre às 10 horas da manha e, se der, será enterrado até as cinco da tarde, de
maneira a, em nome do “não sofrermos muito”, sermos mais práticos e rápidos.
Nem as crianças (já um pouco crescidas) são levadas a velórios; muitos
argumentam que é para poupá-las da dor. Isso não pode valer; parte delas cresce
sem a noção mais próxima de perda e, despreparadas e insensibilizadas para
enfrentar algumas situações nas quais nossa humanidade desponta,
simultaneamente, fraca e forte, perdem força vital.
Por
isso, não será estranho se, em breve, tivermos que nos acostumar também com o
velório virtual, ou, principalmente, como já está começando em países mais
“avançados”, o velório “drive thru”: entra-se com o carro, coloca-se a mão
sobre o corpo do falecido (enquanto um sensor lê tuas digitais para enviar um
agradecimento formal), aperta-se um botão com a oração que se deseja fazer e...
pronto, já vai tarde. Parece ridículo? Se não prestarmos atenção, assim será.
Fonte: Mario
Sergio Cortella, do livro “Não nascemos prontos!”, pagina 35
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